20.11.09

Lisa é a minha melhor amiga. Conhecemos-nos na faculdade. Vi a pela primeira vez na esplanada da cafetaria, a conversar com colegas. Atraiu-me a forma desinibida como ela ria. Não era só isso. O seu cabelo. A sua pele macia, branca, própria das ruivas. Outras coisas que não sei dizer.

Começámos a namorar. Estávamos a enganar os nossos homens mas não nos sentíamos culpadas. Estávamos convencidas que o nosso romance lésbico não iria pôr em causa a nossa devoção aos nossos futuros maridos.

Lisa gostava de ser dominada pelo seu namorado. Eu também. Nunca tinha falado disso a ninguém. Mesmo entre João e mim, guardávamos este tabu. Com cuidado, mantivemos os planos separados, a nossa relação de dia como casal moderno e emancipado, e as noites de paixão em que por vezes soltávamos os nossos demónios e cedíamos a impulsos que assumir em pleno dia parecia impossível.

Devo a Lisa que isso não ficou assim para sempre. Nunca conheci uma pessoa mais em paz consigo mesmo enquanto ser sexual. Foi a minha educadora, e ensinou-me algo que não imaginava possível ser ensinado, algo que ela possuía em abundância e eu não: inocência. Aquilo que me tinha atraído nela desde o início. Assim nasceu a ideia de envolver os nossos namorados na nossa relação, de contar-lhes. Era excitante o nosso romance clandestino. Mas quanto mais o seria se os nossos homens soubessem dele!

Convidei a Lisa e o seu namorado para um jantar. Ao João tinha falado dela com entusiasmo, tanto que ficou curioso em conhece-la. O namorado, Paulo, era um homem baixo e musculado, simpático sem falar muito, e menos formal do que o meu homem que aprecia estilo e boas maneiras. Gostei dele imediatamente. Mais difícil foi prever como se dariam os nossos homens um com o outro. Mas a noite decorreu de forma agradável, e a primeira coisa sobre que os nossos homens se entenderam, fomos nós as raparigas, cujo esforço conspirativo de tornar o encontro num sucesso não passou despercebido, nem a tensão erótica entre nós. Isto não foi um acaso. Lisa e eu tínhamos achado uma boa ideia mostra-la para promover o nosso objectivo.

O jantar tinha corrido mesmo bem. Nas semanas seguintes chegámos a ser bons amigos, e passávamos muito tempo juntos. E nós realizávamos o nosso teatro: Um gesto de carinho casual, um beijo de irmãs, um inocente andar de mãos dadas num passeio no Grunewald, a sua frente. O que empreendíamos não era menos do que tentar seduzir os nossos namorados novamente, mas desta vez como casal. Não demorou e estávamos naquela situação de "eu sei que tu sabes que eu sei..." ou, mais correctamente, de "nós sabemos que vocês sabem..." Mesmo assim, foi assustador quando chegou o momento em que nos confrontaram e obrigaram a assumir-nos. Foi um domingo de fim do verão, e até este momento tinha sido um dia bonito, descontraído e feliz. O meu homem tinha alugado um barco a vela. Não havia muito vento, mas ninguém se importava. O barco baloiçava na sombra intermitente das bétulas ao largo da Ilha dos Pavões, João tinha lançado a âncora, e havia pouco a fazer, excepto de desembrulhar o piquenique. Ainda hoje associo àquele dia o cheiro de fiambre, café de termo, misturado com o cheiro característico à agua de lago. Com um traço de erva, outro de madeira podre, mas agradável e fresco.

"Então." disse o Paulo, "Achamos que é tempo que vocês acabem com o teatro e expliquem o que se passa convosco. Não somos parvos. O que têm em mente para o futuro?"

Tinha ansiado por este momento, mas fiquei muito grata por ser a Lisa a expor a nossa ideia.

"E vocês acham mesmo que uma vez aceitássemos uma coisa destas?" perguntou Paulo. "Vocês conhecem-nos tão pouco para acreditar que nos podem impor a vossa relação, e tudo o resto ficaria como dantes? - Esqueçam isto! Se querem ser um casal, força, assumam-no, sejam-no, talvez até arranjam uns bananas que aceitam ser vossos homens nestas condições, se ainda precisam deles. Não seremos nós, de certeza! O João e eu já falámos sobre isto, e temos exactamente a mesma posição. Vocês acabam, ou acabou-se connosco."

Lisa e eu tínhamos imaginado esta discussão, antecipado as formas como poderia correr. Apesar disso, faltaram-nos agora as palavras. Tínhamos preparado tanta conversa para defender a nossa ideia, mas neste momento, mais do que ela não nos ocorrer, era a profunda sensação da sua futilidade que nos mantinha mudas.

"A não ser..."

Se faltasse uma prova dos nossos homens serem sádicos, aqui estava.

"A não ser..." disse João com um sorriso quase imperceptível, "...que vocês submetem a vossa relação às nossas regras."

Estavam a brincar. Também Lisa e eu tínhamos estado a brincar de certa forma... e doutra não. Brincar com estas coisas nunca é apenas a brincar.

"Mas como?"

"É bastante simples. Vocês podem namorar quando o autorizamos. Autorizamos por um determinado tempo. E proibimos, por outro tempo determinado. Depois autorizamos novamente e por aí diante..."

Isto era melhor do que um redondo Não. Mas não percebi o sentido que isto faria, nem do ponto de vista dos nossos homens.

"Sim?"

"Para tornar a coisa mais interessante, vamos fazer assim. O Paulo autoriza ou não a Lisa. E eu autorizo ou não a ti, Carolina. Não vai ser sempre sincronizado. Ou seja, pode acontecer que tu estejas autorizada, mas nesta altura a Lisa não. Ou vice versa."

"E para tornar a coisa ainda mais interessante," disse o Paulo com um sorriso agora largo, "vamos introduzir um terceiro modo: a ordem de sedução. Por exemplo, a Lisa pode ter a ordem de seduzir-te a ti, Carolina, e tu és obrigada de estar casta. Depois resolvem como conseguem... Ah, e desobediência tem de ser castigada, claro!"

O que havia de dizer? Tudo isto acabou por ser um jogo! Um jogo maravilhoso! Toda a tensão desvaneceu e deu lugar a uma grande alegria e excitação. E um doce sentimento de cumplicidade entre nós os quatro. Lisa e eu caímos nos braços dos nossos homens e se eles tivessem sido homens para fazer uma coisa dessas, o que não são - não sei se devo dizer infelizmente ou não - isto teria desembocado neste momento numa ménage à quatre.

O dia acabou em beleza.

Os nossos homens - os nossos "amos" não iriam controlar o que fazíamos quando estávamos fora da sua vista. Mas mais ou menos uma vez por mês, reuníamos para um "dia de verificação". Aí os nossos actos foram comparados com as nossas ordens. Desobediência provada iria ser castigada com o pingalim. Se as nossas declarações não coincidissem, iríamos sempre ser castigadas as duas. Havia pois um incentivo de dizer a verdade. A não ser que alguém realmente quisesse ser castigada para cada situação! Isto, posso garantir, não queríamos!

Nos próximos meses, era então assim: Ambas tínhamos as nossas ordens, mas apenas conhecíamos as próprias. Quando encontrava a Lisa na faculdade, nunca sabia o que me esperava. Se as duas estávamos no modo de autorização ou de sedução, tudo era simples: podíamos fazer amor e não se seguia castigo nenhum. Mas se eu tinha de estar casta, e ela tinha ordens de seduzir-me, ela iria tenta-lo e, ou ela conseguia, e eu seria castigada, ou ela falhava, e ela seria castigada. Claro que podíamos contar-nos o que eram as nossas ordens, mas isso não resolvia nada se estávamos em modos incompatíveis. Também não podíamos confiar em que a outra não mentisse. Por exemplo, para seduzir a outra rapariga que julgávamos no modo de castidade, era uma boa estratégia fingir que estivéssemos também. Se fosse verdade, ambas podíamos fazer o que quisermos uma com a outra sem os nossos amos descobrirem, pois nenhuma de nós iria admiti-lo no dia de verificação. Mas se uma na realidade não estava no modo de castidade, ela iria denunciar-nos no dia de verificação e a outra seria castigada.

Cada dia em que nos encontrávamos, o jogo de sedução começava de novo. Deliciosa a sensação do poder ao ter conseguido seduzi-la, através da mentira ou por ter sido irresistível, e saber que ela depois seria devidamente castigada por isso! Mais doce ainda era render-se à sedução, suspeitando ou até sabendo que isso iria ser descoberto, e aceitar de boa vontade o castigo posterior! E também era excitante a cumplicidade quando enganávamos os nossos amos, assegurávamos que não iriam descobrir a nossa desobediência, e provávamos que o seu poder, embora de grande alcance, não era total!

O jogo durou vários meses, até que nos fartámos dele. Depois continuámos bons amigos e amantes ocasionais. Até, uns anos mais tarde, João e eu nos mudámos para o estrangeiro, por motivos profissionais. Ainda mantemos contacto, escrevemos e telefonamos de vez em quando. Talvez para o ano consigamos reencontrar-nos, nas férias, e matar saudades da nossa bela vida de então.